O calor que emanava das ruas arrefeceu, em certa medida, e
os movimentos sociais (sindicatos, partidos políticos de esquerda, associações
e organizações) que sempre estiveram nas ruas, voltam, aos poucos, a tomar o
protagonismo do processo. Porém, agora revigorados pela percepção de que suas
causas têm o respaldo da população. Suas bandeiras foram legitimadas pela
participação massiva nas manifestações em todo o Brasil. Não são, como cismavam
em difundir alguns setores da mídia tradicional, vozes isoladas representando a
si mesmas.
Falando em mídia tradicional, esta viu diluir o seu poder de
desarticulação dos movimentos. É fato que, até então, havia sempre um discurso
de redução de protestos a “manifestações que atrapalhavam o trânsito”. Pouco se
dava espaço à discussão das pautas de reivindicações dos movimentos.
Pressionada, porém, pela surpreendente adesão aos atos do último mês, esta
mesma mídia se viu obrigada a rever sua postura (se esta perdurará é uma incógnita). O exemplar mais icônico dessa
mudança, que não deixa de ser oportunista, está na fala do cronista Arnaldo
Jabour (o chato mor) que mudou de opinião sobre as manifestações como quem corria
do ladrão.
A mudança no tom da cobertura foi uma atitude que, para os mais críticos, demonstrou o desespero da velha mídia em perceber que sua influencia está se diluindo cada dia mais com o advento das mídias sociais. Por outro lado, ficou clara a tentativa dessa mesma mídia de tomar para si, direcionar e manipular as causas das manifestações. Há por trás dessa postura, o interesse em desmoralizar conquistas sociais importantes da democracia nos últimos anos com a ascensão de governos de esquerda (centro-esquerda?) no Brasil.
Aliás, foram as mídias sociais o principal veículo de
aglutinação - e difusão - das manifestações do “outono brasileiro”. É fato
também que, já há alguns anos as redes sociais vinham como que gestando o
pensamento mais crítico dos jovens que aderiram aos protestos. Muita informação
sobre os abusos do poder público e sobre a realidade social brasileira, que não
chegavam pelos meios tradicionais, nas redes sociais eram difundidas de forma
horizontal. Tanto é que nos últimos dois anos têm acontecido manifestações
espontâneas contra a corrupção, por exemplo.
E é em relação aos jovens, a grande maioria deles pela
primeira vez nas ruas, que pode ter acontecido a mais importante das
transformações. Quem está nas redes sociais pôde perceber que, pela primeira
vez o assunto mais discutido não era o futebol, a música da moda, o vídeo com
mais visualizações. A política ficou no centro das conversas para pessoas que
nem se importavam com este assunto. De fato, muitos debatiam o tema de forma
superficial, mas o assunto estava ali, bem ou mal, sendo discutido. A semente
de um pensamento mais crítico em relação à realidade foi plantada. E a lição de
que reivindicar é forma legítima e eficaz de luta pelos direitos parece que foi
aprendida. O futebol continuará sendo pauta, a moda da vez também (porque não?),
mas a política está, finalmente e intensamente, em pauta para esta geração.
Por sua vez, os movimentos sociais e partidos políticos de
esquerda se depararam com a realidade de que o pensamento de direita e até de
extrema direita também disputa as ruas (citação ao ótimo texto do Valter
Pomar). E foram, em parte, tomados de assalto pela rejeição de manifestantes em
diversas cidades, pelos gritos “sem partido” reverberados, pela tentativa de redirecionar o foco das manifestações para atos anti-governo. Há
sinais de que estes partidos de esquerda e movimentos sociais começam a rever
suas posturas.
Nas instâncias do poder (no caso, Governo e
Congresso/Senado), os protestos – que também eram por conta da insatisfação
generalizada e legítima com as posturas soberbas de parte considerável da classe
política – causaram uma inquietação positiva. De um lado, o Governo Federal viu
a oportunidade de pressionar pela aceleração de ações importantes nos âmbitos
político (a reforma política) e social (saúde e educação, principalmente). De
outro, o Parlamento acelerou a votação e aprovação de projetos que há anos
estavam emperrados, projetos estes com potencial para auxiliar nas mudanças
necessárias.
O calor das manifestações pode
e deve se tornar força para uma nova relação da sociedade com a política no seu
significado mais genuíno. Que assim seja.
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