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  1. O caos essencial

    25 de janeiro de 2013

    Os filmes “Efeito Borboleta” (2004) e “Corra Lola, Corra” (1998) têm em comum a linha narrativa de transformações causadas por mudanças mínimas no proceder de seus personagens centrais. Em seus panos de fundo teóricos, ambos remetem à “Teoria do Caos” (o primeiro mais explicitamente que o segundo, uma vez que até o título faz alusão ao bater de asas da borboleta, metáfora que representa a Tese).

    Aplicada primeiramente ao entendimento dos mecanismos de criação das tempestades, das torrentes e dos furacões, a Teoria do Caos foi unificada pelo meteorologista Edward Lorenz tendo como base teorias científicas de outros estudiosos. A conhecida frase "O bater de asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar um furacão em Nova Iorque" sintetiza o conceito básico da Hipótese de Lorenz: a de que existe uma interligação oculta entre fatos aparentemente aleatórios.

    Os filmes de linhas cinematográficas divergentes convergem na ideia de que pequenas atitudes podem transformar drasticamente os acontecimentos e a vida de outras pessoas, envolvidas direta ou indiretamente com os fatos narrados. Na surpreendente ficção científica Blockbuster “Efeito Borboleta”, Evan Treborn (Ashton Kutcher) é um jovem estudante de psicologia que, enquanto criança e adolescente, sofreu de desmaios e bloqueios de memória. Após reencontro com seu amor de infância, Kayleigh (Amy Smart), Evan descobre que, ao ler seu diário, consegue enviar sua consciência adulta para o passado. Ele altera atitudes e muda completamente o seu destino, de sua namorada e amigos. Mas Evan rapidamente descobre que ter o dom de manipular o passado, não significa controlar o futuro.

    Ao se valer da Teoria do Caos como referência, o filme demonstra o que defendem Jonh Briggs e F. David Peat no artigo “Sabedoria do Caos”. Para eles a teoria não apenas se aplica aos fenômenos naturais, mas “a tudo, desde a medicina e os conflitos armados até a dinâmica social e as teorias de formação e transformação das organizações”. O caos estaria deixando de ser apenas uma teoria científica para tornar-se uma “metáfora cultural”. Além das transformações na história do filme a cada acesso que Evan faz ao seu passado, na versão em DVD, “Efeito Borboleta” apresenta dois finais diferentes possíveis (e ainda existe um terceiro final que foi censurado pela gravadora por mostrar uma espécie de “aborto”), o que coaduna com a Hipótese de que o universo é “permeado de sistemas caóticos que proporcionam uma resposta sempre criativa a um ambiente em mutação” (Briggs e Peat).

    “A sociedade moderna é obcecada pela conquista e pelo controle do mundo à sua volta e para tanto quer valer-se da ciência. Todavia, os sistemas caóticos e não-lineares – como a natureza, a sociedade e a vida de cada indivíduo – transcendem qualquer tentativa de previsão, manipulação e controle.”

    Os dois finais alternativos:






    Efeito Borboleta: Final alternativo (LEGENDADO-BR) por rodrigokleinmc


    O final censurado:


    Efeito Borboleta: Final do Diretor (LEGENDADO-BR) por rodrigokleinmc


    “Corra Lola, corra” é de outra vertente cinematográfica. Filme alemão independente rodado em 1998 em linguagem quase videoclíptica, com inserções de desenhos animados e trilha sonora alucinante. Tudo com o objetivo de traduzir a histeria que se passa nos 20 minutos que a protagonista do filme tem para salvar o namorado. Diferentemente do filme americano, neste as possibilidades de desfecho são apresentadas como se o tempo sempre voltasse 20 minutos, dando uma “nova chance” aos personagens.

    Pela sinopse, Manni (Moritz Bleibtreu), o coletor de uma quadrilha de contrabandistas, esquece no metrô uma sacola com 100.000 marcos. Ele só tem 20 minutos para recuperar o dinheiro ou irá confrontar a ira do seu chefe, Ronnie, um perigoso criminoso. Desesperado, Manni telefona para Lola (Franka Potente), sua namorada, que vê como única solução pedir ajuda para seu pai (Herbert Knaup), presidente de um banco. Assim, Lola corre pelas ruas de Berlim, sendo apresentados três possíveis finais à sua louca corrida para salvar o namorado.

    O roteiro dialoga diretamente com uma das Teses Caóticas apresentadas no artigo de Briggs e Peat. Eles questionam se a vida é simples ou complexa e respondem que as duas opções estão igualmente corretas. “O caos revela que o que parece incrivelmente complicado pode ter uma origem simples, enquanto a simplicidade pode ocultar algo de assombrosa complexidade”. À complexa situação com a qual Lola se defronta, ela escolhe soluções aparentemente simples (como pedir dinheiro emprestado ao pai), mas acaba se defrontando, por exemplo, com o fato de o pai estar tendo um caso com a secretária, o que torna a situação ainda mais intrincada.

    “Corra Lola, corra” também apresenta que mudanças mínimas no comportamento da protagonista podem ocasionar “ondas” de efeito imprevisíveis para a vida dos demais personagens da narrativa. Entretanto, nesta trama um dos fatores mais importantes é o tempo que se passa entre um telefonema do namorado e sua possível morte ao se encontrar com o chefe criminoso. Para o Caos, o tempo não é linear nem contínuo, mas composto de feixes de minúsculas descontinuidades. Ou seja, existe apenas o tempo presente e é nele que tudo transcorre. E é no tempo presente que Lola vai tomando decisões diferentes à medida que as situações vão se impondo.


    “Durante um acidente com risco de vida, o tempo parece ficar suspenso. Os eventos se sucedem em câmera lenta. Temos um estranho mundo de tempo para decidir se devemos frear ou acelerar para escapar a uma possível batida (...). Em momentos de crise, nós nos desligamos temporariamente do tempo mecânico do relógio(...).”

    A consciência de que tudo está relacionado, interconectado, e de que somos parte de uma única cadeia, se reflete, invariavelmente, na forma como o ser humano pensa e age no mundo. Todos somos feições de uma consciência coletiva: o agir de uma pessoa ou de um pequeno grupo influenciado pelas pessoas que o integra pode afetar o mundo inteiro de maneira profunda e sutil. Em outras palavras, existe uma solidariedade comum e natural entre todas as partes desse todo. Negar isso é negar o essencial.


  2. Pequeno, ouvia o refrão desta música de Chico Buarque cantado pela boca de meu pai, que repetia incessantemente: “Olha aí, é o meu guri”. Era uma de suas formas de demonstrar carinho, imaginava eu, naquela época com meus 3 ou 4 anos. Esta é, provavelmente, a minha primeira memória musical, uma lembrança que me traz bons sentimentos e uma nostalgia tremenda da minha “meninice”.

    Cresci e nunca tinha parado pra prestar atenção de fato ao que dizia toda a letra dessa música. O recorte que meu pai fazia e o gesto de afago que ela representava me deram uma memória afetiva muito boa, mas equivocada. Ouvindo um pouco mais da obra do Chico durante o ano que passou, esta música voltou a fazer parte da minha vida, agora como um curioso ouvinte da grande obra deste compositor.

    E para a minha surpresa, me deparei com uma letra de extrema crítica social. O “guri” não era eu, uma criança que teve de tudo: educação, comida, um nome, um lar e sobretudo muito amor. Ele era na verdade o menino pobre, nascido prematuro (“Não era o momento dele rebentar”), filho talvez de uma mãe solteira, analfabeta que não tinha nem documentos de identificação civil (“E eu não tinha nem nome pra lhe dar”).

    Um menino que, a despeito das condições adversas, queria vencer na vida. Dizia pra mãe que “um dia ele chegava lá”. Apesar de implícito por meio de metáforas, parece que, para realizar seus sonhos, este menino pobre, morador de uma favela (“Chega no morro”), escolheu o caminho do crime (tráfico e assaltos) pra poder realizar seu sonho.

    Esta mãe conta a história para alguém (“Seu moço”), um curioso por saber quem era o menino morto estampado na manchete de um jornal, identificado apenas pelas iniciais de seu nome. Em algumas análises que vi pela internet, falam que a mãe não queria acreditar que o filho era um “marginal” e, por isso, criou em sua cabeça uma ilusão. Com o suor do seu "trabalho" o guri dava a mãe presentes, uma bolsa com tudo dentro (talvez uma bolsa roubada), inclusive com os documentos de outra pessoa, que a mulher acreditava que pudesse identificá-la.

    Poderia também fazer a leitura de que, apesar de todos os indícios, este menino era realmente um trabalhador, que por ter origem humilde é confundido com bandido e morre por um equívoco (preconceituoso) da polícia. Já ouvimos algumas histórias assim, infelizmente.

    Algo, porém, sobre o que todos concordam é o amor desta mãe pelo seu guri. Imagino-a dizendo, com lágrimas nos olhos “Ai o meu Guri, olha aí...”. Mas, sobretudo com um amor carinhoso e incondicional daqueles que, dizem, só uma mãe consegue ter por um filho. O mesmo amor que meu pai, lá na minha tenra infância, demonstrava enquanto, olhando pra mim, cantava os mesmos versos. 


    A bela interpretação de Beth Carvalho pra essa música que eu consigo ouvir de dois jeitos diferentes.