Na esteira das discussões sobre Sustentabilidade provocadas
pela Rio + 20, a visão de dois pensadores sobre o tema chama a atenção para questões
relevantes acerca das mudanças de paradigmas que a humanidade precisará
enfrentar se quiser legar um mundo melhor para as próximas gerações.
De um lado o teólogo e filósofo brasileiro Leonardo Boff e
de outro o administrador americano Mark Kramer. Duas visões que divergem
ideologicamente, mas que trazem contribuições importantes para o debate, e
chamam à responsabilidade com que as transformações precisarão
ocorrer para que a terra não entre no anunciado colapso.
O marxista Boff defende que a humanidade está passando por
um período de crise, com todos os latentes problemas de ordem social, econômica
e ambiental. “Toda crise, pode ser uma oportunidade de aprendizado para uma transformação
de valores e comportamentos muito maior”, diz.
Ao conceito de sustentabilidade, cunhado no Relatório de Brundtland (1987) como o
“uso dos recursos naturais que deve suprir as necessidades da geração presente
sem afetar a possibilidade das gerações futuras de suprir as suas”, Boff
acrescenta a ideia de comunidade de vida. Para ele o homem é parte integrante
de uma cadeia, da qual faz parte todo ser vivo e os elementos naturais.
Portanto, o uso sustentável dos recursos naturais deve prover as necessidades
de toda essa cadeia, que ele chama de comunidade de vida (e não apenas as
necessidades humanas).
O filósofo aponta que a forma com a qual o homem pode
garantir a sustentabilidade passa pelo respeito aos limites da biodiversidade.
Ele defende, portanto, uma exploração dos recursos respeitando a capacidade de
reposição do próprio planeta. Por exemplo, o respeito ao curso natural de rios
para pesca e abastecimento de água.
Defende ainda o crescimento sustentável dos países em que os
problemas sociais como a miséria e a fome estão presentes. E uma desaceleração
no ímpeto de crescimento econômico dos países em que as condições de vida
humana já são dignas. Por isso, o professor rejeita a ideia de que a inovação
(necessária para a produção de bens sustentáveis) é dependente do estímulo à
competição empresarial - para o teólogo, a necessidade por inovação deveria ser
estimulada através do empreendedorismo. “Esta lógica do desenvolvimento, do
lucro em cima de lucro, é insustentável”, enfatiza.
Entre outras propostas, Boff destaca que a humanidade
precisa repensar o consumo. Ele não vê outra saída, que não a redução dos
níveis de consumo da parcela de 20% da população mundial que consome atualmente 80% de
tudo o que é produzido (fonte: Ministério do Meio Ambiente).
“O homem, sem a Terra, não sobrevive. Por outro lado, a Terra sem o homem continuará”,
cita.
Outro lado
Contrapondo esta visão, que relaciona problemas sociais,
ambientais e econômicos à voracidade da atividade empresarial, Mark Kramer,
consultor americano da FSG, sugere a criação de valor compartilhado (teoria
elaborada em conjunto com Michael Porter). Ou seja, envolver a geração de valor
econômico de forma a criar também valor para a sociedade (com o enfrentamento
de suas necessidades e desafios). “Valor compartilhado não é responsabilidade
social, filantropia ou mesmo sustentabilidade, mas uma nova forma de obter
sucesso econômico”, defende. (Clique e leia o artigo)
O capitalista Kramer aponta que as questões sociais e
ambientais devem integrar as principais estratégias de uma empresa, uma vez que
seria incoerente a atual dinâmica empresarial de impactar negativamente os
recursos naturais (matérias primas) e humanos (mercado consumidor) tão
necessários à sua perpetuação no mercado.
Segundo Kramer, para criar valor compartilhado a empresa
deve ter em mente qual é o objetivo do seu negócio. Ele cita o exemplo de uma
multinacional do mercado farmacêutico que, na Índia se deparou com um desafio:
os consumidores potenciais viviam em zonas rurais (apenas 30% da população
indiana residia na área urbana) e não consumiam medicamentos, pois não tinham
acesso à saúde. Esta empresa investiu em um programa de construção de hospitais
e capacitação de profissionais de saúde nestas regiões. Desta forma, “criou”
seu mercado consumidor levando, ao mesmo tempo, desenvolvimento social.
Ele defende o surgimento de um novo modelo de capitalismo em
que a criação de valor compartilhado seja o objetivo principal das empresas. “O
conceito de valor compartilhado reconhece que as necessidades da sociedade, e
não só necessidades econômicas convencionais, definem o mercado”, suscita.
Apesar da proposição de mudança considerável na finalidade
da atividade empresarial (até então focada no atingimento de lucros e distribuição de
dividendos), a teoria defendida por Kramer se mostra insuficiente ao não
distinguir as grandes multinacionais das pequenas e médias empresas. Para
estas, o custo elevado das transformações necessárias para atender à nova
dinâmica do valor compartilhado poderia ser um entrave ao desenvolvimento.
E quanto à questão apontada por Boff em relação à
necessidade urgente de redução de consumo, a divergência é evidente. “Não
defendo a redução nos níveis de consumo. Muito pelo contrário, defendo o
consumo maior, com utilização menor de recursos naturais”, pondera o consultor americano, ressaltando
o papel fundamental das inovações tecnológicas para tanto.
Como percebemos, são visões antagônicas sobre um mesmo tema. Visões estas que contribuem com soluções práticas para a questão. E que, apesar das divergências, concordam em um ponto crucial: é urgente a necessidade de busca por uma solução para os problemas relacionados à sustentabilidade.
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