Assistimos nos últimos dias as "mais de 100 horas" de um seqüestro que não serviu mais do que para deixar claro o grau de espetacularização por que passa nossa sociedade. É a "sociedade do espetáculo", de que fala Guy Debord: "toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos."
E tudo não passou de um espetáculo. Terminando, claro, de forma espetacular, para agradar os olhos da nossa mídia, que ainda vai poder repercutir por vários dias, as investigações, os depoimentos, o trabalho da perícia, fazer reconstituições, tentar entrevistar esse ou aquele envolvido "em primeira mão", entrevistar especialistas, produzir reportagens sobre a doação de órgãos, criticar o trabalho da polícia, e encontrar uma maneira de enfiar política (como já começou a acontecer) nisso tudo.
Na sexta-feira vimos Fátima Bernardes "matar" Eloá e logo em seguida "reanimá-la" para todos os lares do Brasil que acompanhavam de perto, vidrados e horrorizados, os pormenores do caso. Foi a ânsia pelo "furo" que falou mais alto, numa informação errada passada por um assessor do Governo Estadual. E coitado do assessor: na GloboNews colocaram a informação na boca dele, sem ao menos terem a atitude (básica, contida em todos os manuais, cursos, livros e palestras sobre jornalismo) de checar a informação com mais uma ou duas fontes. É o lado negro da informação instantânea trazido pelas novas tecnologias.
É claro, este assessor também foi burro de não ter tomado o devido cuidado com uma informação tão valiosa, sobre um caso tão delicado. Em nenhum outro canal de TV a informação foi dada em esquema de plantão, mas, segundo contaram-me alguns colegas de profissão (curiosos como eu), na internet, grande parte dos portais de notícias "em tempo real" seguiram a informação da grande emissora de TV.
Por outro lado, vimos a mesma Rede Globo acertar em não se render ao sensacionalismo de outras TVs, que usaram o caso para ganhar audiência. Vide os pontos de vantagem que Brito Junior, e seu sensacionalismo disfarçado de trabalho a serviço da informação, obteve na manhã de sábado ao resumir seu variadíssimo programa na transmissão ao vivo do local do seqüestro. A Globo manteve sua grade, sem dar atenção exagerada e desnecessária ao caso. Até porque, como já sabemos, o seqüestrador acompanhava o noticiário e as informações atrapalhariam - como atrapalharam - o posicionamento dos policiais no local.
Vimos técnicos e jogadores de futebol comentando o caso, por conta de uma camisa de time pendurada na janela. Vimos uma competente apresentadora querer 'ciscar' em outra área e dar uma de negociadora, sem o mínimo preparo. Vimos que o próprio seqüestrador gostava da atenção da mídia, quando ele acendeu e apagou as luzes do apartamento ao ouvir o pedido de um outro apresentador.
A sociedade do espetáculo cria a necessidade do espetáculo nas pessoas, principalmente nas mais vulneráveis, a necessidade de se tornar "visível" para passar a "existir", porque só "existe" para a sociedade do espetáculo, aquele que foi veiculado de alguma forma na mídia. Agora, sobre os erros ou não da nossa despreparada polícia, só as investigações poderão dizer.
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o espetáculo da tragédia em são paulo
19 de outubro de 2008
Postado por Unknown às 21:28 | Sessões: comentários | Enviar por e-mail Postar no blog! Compartilhar no X Compartilhar no Facebook | |
Falou tudo!
MUITO bom! :)
COMO ASSIM A FÁTIMA BERNARDES MATOU A GAROTA ANTES DO TEMPO???? Tá vendo como eu não perco nada por não assistir TV? tsc
Se há algum aspecto ainda não exaustivamente comentado sobre o caso é a coragem da outra amiga. SE eu tivesse talento, juro que escrevia sobre. Mais que merecido!
bjs meus
É por conta desse sensacionalismo midiático que a política, as religiões, a moral humana e tantos outros temas estão cada vez mais deteriorados e desfigurados, muito além das fragilidades auto-destrutivas peculiares da natureza, do histórico ou da atuação de cada um deles (temas), capazes de manchar qualquer imagem e de interfirir resultantemente no processo de formação da opinião pública e popular.
Parabéns pela crítica! Excelente!
Bacana Gabriel!Parabéns!
Deus te abençoou com um talento super especial.
Use-o para fazer a diferença nessa geração. O mundo carece da boa notícia. E você sabe exatamente qual é. Sucesso sempre, garoto. Fica com Deus. Abração, Vanei
Não sabia aonde escrever, então será aqui mesmo.
Abrigado pelo comentário no meu blog. Isso me motiva. Parabéns por deixar suas opiniões, no seu blog.
Até.